quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Porto seguro*

* Publicado originalmente no Olheiros.

Basta uma rápida olhada pela tábua de classificação do campeonato italiano que logo alguma coisa não parece no lugar. Inter, Juventus e Milan brigam pela ponta, mas há um intruso se metendo na briga pela vaga remanescente na Liga dos Campeões 2009/10. Trata-se do Genoa, um dos clubes mais tradicionais do país, campeão de seis das sete primeiras edições da Serie A, mas que viveu recentemente o inferno da terceira divisão e tenta, aos poucos, ressurgir das cinzas.

Para isso, conta indubitavelmente com os gols do argentino Diego Milito, que voltou no início da temporada após três anos no Zaragoza e rapidamente foi elevado ao posto de semi-deus na metade rossoblú da capital da Ligúria. Não é à toa: em 20 jogos, marcou 16 vezes e é o vice-artilheiro do campeonato. Seus gols ajudaram a alcançar resultados impressionantes, como as vitórias sobre Milan e Roma no Luigi Ferraris – marcou um nos milaneses e dois nos romanos.

Entretanto, não é só de Milito que se faz uma boa campanha no Calcio. O Genoa apresenta uma característica interessante, se analisarmos com mais atenção: é um time cheio de eternas promessas – e isto não é ruim. O clube tem aproveitado jogadores talentosos, que despontaram em outras equipes, mas que acabaram não atendendo às expectativas e buscam um recomeço ou mesmo o reconhecimento definitivo longe da pressão das grandes camisas.

Até mesmo o goleiro brasileiro Rubinho concorda com a tese. “O Genoa tem por tradição pegar jogadores que não estão jogando nas equipes maiores, como o Palladino, que não jogava na Juventus, e o Borriello no ano passado. Eram promessas de times grandes que fizeram a escolha de vir para cá sabendo que aqui teriam mais sucesso. O segredo do nosso time é que esses jogadores vieram para cá com a humildade de trabalhar como jogador de time pequeno para voltar aos grandes”, afirmou em entrevista recente concedida ao amigo Rafael Reis, ex-colunista do Olheiros e repórter da Folha Online.

Foi assim com Matteo Ferrari, zagueiro descoberto pela Internazionale no SPAL 1907, hoje um clube semi-amador. Como de praxe nos grandes italianos, rodou de empréstimo em empréstimo (passando inclusive pelo próprio Genoa) dos 18 aos 21 anos, até que se firmou no Parma e foi contratado. Em 2004, foi comprado pela Roma e ganhou a medalha de bronze na Olimpíada de Atenas, como um dos três jogadores acima de 23 anos. Mas o desempenho abaixo do esperado obrigou-o a ser emprestado de novo, desta vez para o Everton.

Chegando a Gênova, entretanto, logo firmou-se na zaga, jogando a maioria das vezes no centro da linha de três defensores proposta por Gian Piero Gasperini. O esquema tático pouco usual para os padrões italianos e o desempenho de Ferrari e seus companheiros são outra explicação para o sucesso do clube na temporada: apesar dos 3 a 0 sofridos para a Roma no último domingo, os grifoni têm ainda a segunda melhor defesa do campeonato, com 20 gols tomados em 23 partidas.

O belga Vanden Borre é outro exemplo de aposta que tem dado certo. Após aparecer muito bem pelo Anderlecht, fazendo sua estréia pela seleção aos 17 anos, chegou à Fiorentina para o campeonato 2007/08 mas teve poucas chances, atuando apenas quatro vezes. Envolvido numa troca com Papa Waigo, foi comprado em definitivo pelo Genoa para esta temporada e tem tido atuações bastante satisfatórias pela ala direita, posição fundamental para o sucesso do esquema tático de Gasperini, a ponto de voltar a ser convocado para a seleção.

Na outra ala, Domenico Criscito, emprestado pela Juventus, também tem atuado bem. Outro jogador cedido pela Vecchia Signora que tem demonstrado bons sinais de recuperação é o uruguaio Ruben Olivera, que despontou como um furacão pelo Danúbio e nada produziu nas poucas chances que teve com Fabio Capello – em sua opinião, porque jogava pelos lados, deslocado de sua posição original, mais no centro. Após passagens frustradas por Atlético de Madrid e Sampdoria e até uma volta ao futebol uruguaio, para defender o decadente Peñarol, chegou ao Genoa querendo mostrar serviço, e ainda que não seja titular, tem conseguido emplacar uma sequencia maior de jogos.

E certamente nenhum torcedor genovês torcerá os lábios se tiver seu time chamado de “filial da Juve”. Afinal, outros dois jogadores fundamentais têm sua história ligada ao clube de Turim. Raffaele Palladino e Giuseppe Sculli tiveram trajetórias bastante parecidas: despontaram em clubes pequenos, foram contratados mas não tiveram muito espaço para mostrar seu valor. Sculli, que passou por todas as divisões de base italianas, perambulou por diversas equipes menores até se firmar como companheiro de Milito no ataque rossoblu, tendo feito seis gols até aqui.

Palladino, por sua vez, criou enormes expectativas graças a suas performances em Viareggio e no Primavera, quando marcou 41 vezes em 61 jogos. Emprestado à Sarlenitana, foi chamado de volta para a disputa da Série B, e teve boas chances com Didier Deschamps de mostrar seu valor, marcando duas vezes na estréia e alcançando um hat-trick ante a Triestina. A concorrência desleal no ataque com Del Piero, Iaquinta e Trezeguet forçou-o a se adaptar à função de winger pela esquerda, e apesar de ser destro, tem desempenhado o papel muito bem, fechando no meio para remates precisos.

Por pouco Palladino não voltou a Turim já em janeiro, mas a transferência de Iaquinta para o Zenit não se concretizou. “Poderia ter voltado, mas me sinto feliz aqui. Não inteiramente feliz, afinal acho que ainda tenho muito a mostrar até o final da temporada”, afirmou logo após o fechamento da janela. Sinal de que o Luigi Ferraris pode não ser a parada final para estas quase-eternas-promessas, mas é certamente um porto seguro para que elas se recuperem e sigam seu rumo. Foi assim com Borrielo na temporada passada. É assim também este ano com Thiago Motta, ex-Barça. Bom para os jogadores, melhor para o clube.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Idéias para o calendário do futebol brasileiro


Em épocas de Estaduais, pré-temporadas curtas e início de Libertadores e Copa do Brasil, o mesmo assunto sempre vem à tona: o inadequado calendário do futebol brasileiro. O assunto não é novo nem mesmo neste blog, mas se depois de trinta anos os pontos corridos finalmente foram adotados, por que não discutir o tema à exaustão até que se chegue a um consenso?

A proposta é simples: o calendário brasileiro deve ser adequado ao europeu. Mas como conseguir incutir na cabeça do torcedor as temporadas que começam em um ano e terminam em outro? A idéia seria readequar as competições.

Primeiro ponto: os Estaduais precisam acabar. Rivalidades regionais existem e são centenárias, e não deixarão de as ser com o fim desses campeonatos, que convenhamos, só existem no Brasil e não fazem mais o menor sentido. Será possível que com isso os clubes pequenos acabem? Esta é uma regra do próprio sistema que rege o futebol, capitalista como é - quantos clubes grandes, como Santa Cruz, Guarani e Bahia, já não foram ultrapassados por outros de menor tradição, mas maior aporte financeiro e mais bem estruturados? O protecionismo não pode ser conivente com a incompetência.

Assim, com o fim dos estaduais, o Brasileirão poderia começar em fevereiro, deixando janeiro para a pré-temporada. Um campeonato bem estruturado em quatro divisões pode comportar os times pequenos que atualmente só disputam os regionais e mantê-los ativos por todo um semestre - que é o que acontece com a maioria atualmente.

Três divisões nacionais com 20 times, como acontece atualmente, e mais uma quarta divisão nos moldes europeus: regionalizadas na primeira fase, que pode durar um semestre e envolver dezenas de clubes, classificando os melhores para a fase nacional no segundo semestre, com 20 ou 40 clubes, classificando 4 para a Terceirona do ano seguinte. Assim, os pequenos continuariam existindo.

Por fim, Libertadores e Copa do Brasil são competições completamente distintas. Não é justo que uma equipe que dispute uma, não participe de outra. Nesse caso, os grandes europeus jamais disputariam suas copas nacionais - este sim o local adequado para os pequenos receberem os grandes.

A idéia é separar: Copa do Brasil em um semestre, competições internacionais em outra. Libertadores e Sul-Americana disputadas juntas podem permitir o mesmo que UCL e Copa Uefa: os terceiros colocados ainda têm chance de serem campeões de um torneio menor. Obviamente, neste caso seria necessária uma adequação de todo o calendário sul-americano - e para a Conmebol não é interessante ter as mesmas competições, por envolver contratos de patrocínio e exposição na mídia. Sem contar que clubes como Boca e River têm vaga vitalícia na Sul-Americana - procedimento que precisa ser abolido. Quem joga uma, não joga outra.

Enfim: campeonatos de fevereiro a novembro, férias em dezembro, pré-temporada em janeiro. Dá até para abrir 15 dias de descanso em julho.

Não é difícil, nem complicado de se chegar a essa fórmula.

Basta querer.