Publicado no Olheiros
Todo brasileiro tem um pouco de técnico de futebol, e apesar de não sermos Ney, sejamos francos: é raro o Brasil cair em um grupo da morte em sorteios de Copa do Mundo e também mundiais de base. Tanto é verdade que foi assim que iniciamos nosso texto na análise do sorteio das chaves do Mundial Sub-17 de 2009, na Nigéria. Mas naquele ano a experiência serviu para mostrar o quanto pode ser traiçoeira a primeira impressão em competições desse nível: contra México, Japão e Suíça, o Brasil de Lucho Nizzo acabou dando vexame e eliminado ainda na primeira fase, sendo desclassificado por um surpreendente time suíço que viria a se tornar campeão mundial.
É apenas por estes caprichos do destino futebolístico que não podemos cravar já, tão logo as bolinhas acabaram de ser sorteadas em Cartagena, uma das sedes do Mundial da Colômbia, que o Brasil terá a oportunidade de realizar na primeira fase três partidas com cara de treino para o verdadeiro campeonato, a partir do mata-mata. Os adversários da seleção no Grupo E serão Egito, Áustria e Panamá, configurando quase um sorteio dos sonhos para Ney Franco.
Obviamente o discurso é de respeito aos adversários, mas dentre as demais possibilidades é quase a chave dos sonhos: um grupo, por exemplo, contra a forte seleção de Mali, finalista do Africano da categoria; os chatos australianos, vice-campeões asiáticos; e os franceses, campeões europeus, era possível. Ou ainda, a enorme bucha que terão novamente os argentinos, que terão pela frente dois campeões continentais, México e Coreia do Norte, além da forte Inglaterra. Melhor que isso, dentre as opções disponíveis, só se a Guatemala, estreante em mundiais, também estivesse no grupo.
O mais importante para Ney Franco nesta primeira fase é saber que enfrentará três escolas completamente distintas e que trabalham o jogo de maneira diferente. Enquanto o Egito é um time de muita posse de bola, a Áustria fundamenta seu jogo na defesa e toque de bola e o Panamá aposta na boa e velha velocidade e porte físico de seus atacantes. Testes que colocarão à prova, logo de cara, a capacidade de adaptação destes meninos, especialmente na defesa, que hesitou em alguns momentos durante o Sul-Americano.
Emulando o recente sucesso da seleção principal nas últimas Copas Africanas de Nações, o Egito tem aparecido com mais frequencia entre as melhores equipes sub-20 do continente. Campeão da categoria em 2003 e vice em 2005, os pequenos faraós têm participado de todas as fases finais do Africano, que contam com apenas oito seleções, desde 2001. Eliminados nas oitavas de final há dois anos, quando sediaram o Mundial, os egípcios garantiram a vaga após vitórias de 2 a 0 sobre o Lesotho e 1 a 0 sobre a África do Sul, perdendo para Mali também pelo placar mínimo. Na semifinal do Africano Sub-20, caiu nos pênaltis ante Camarões, após empate sem gols no tempo normal. Com problemas no ataque, o time de Diaa El-Sayed promete uma preparação ostensiva, já que a federação não terá problemas para a liberação dos jogadores. Pode acabar sofrendo um pouco mais com o nervosismo de fazer o jogo de abertura logo com o Brasil, mas tem condições de brigar pela segunda vaga.
Já a Áustria teve de escalar montanhas maiores que as dos Alpes para chegar ao Mundial Sub-20, após a excelente campanha de 2007, quando terminou na quarta colocação e revelou nomes como Sebastian Prödl, zagueiro do Werder Bremen, e Erwin Hoffer, atacante do Kaiserslautern. Após avançar à segunda fase do qualificatório apenas na terceira posição do grupo, graças a uma goleada de 5 a 1 sobre a Armênia, os austríacos contaram com o fator casa, já que sediaram o grupo do Elite Round, para se classificarem à fase final – e ainda assim foi difícil, graças a apenas um gol de saldo. Na estreia, derrota para a vizinha e rival Suíça por 3 a 2, e depois vitórias sobre a Sérvia (2 a 0) e Dinamarca (4 a 3).
Finalmente, a campanha da fase final foi apenas razoável, com derrota para a Inglaterra por 3 a 2 e goleada sofrida para futura campeã França por 5 a 0. Mas como são seis os europeus classificados ao Mundial, os alpinos carimbaram o passaporte para a Colômbia com uma vitória simples sobre a Holanda, mesmo terminando o campeonato com menos cinco gols de saldo. O time tem vários jogadores atuando em ligas maiores, e até alguns conhecidos, como David Alaba, zagueiro/lateral do Bayern de Munich, e o craque da turma, Christoph Knasmüllner, meia que chegou a fazer parte do elenco profissional do Bayern, mas que desde o início do ano está na equipe primavera da Internazionale.
O último degrau da escalada brasileira na primeira fase promete ser o menos complicado – motivação extra para vencer as duas primeiras partidas e quem sabe até poupar titulares, ou ainda entrar com tudo nas oitavas de final com uma goleada. O Panamá se classificou graças à uma vitória surpreendente sobre a favorita Honduras nas quartas de final do Concacaf Sub-20, e deve a classificação ao centroavante Cecílio Waterman, de ótimo porte físico e cabeceio. Ele marcou os três gols da vitória sobre o Suriname na primeira fase e um contra Honduras. O outro foi de autoria de José Diego Álvarez, um dos raros a atuar fora do país – o atacante defende o Slavia Praga, da República Tcheca. Mas a derrota por 4 a 1 para o México nas semifinais mostrou que o time tem deficiências e carece de maior qualidade, especialmente na defesa.
Um grupo com adversários bem diferentes que servirão de ótimo teste para o time de Ney Franco, que já nas oitavas de final deve pegar um classificado do grupo da morte da rival Argentina. Aproveitar as três partidas iniciais, como fez a seleção em 2009 com Rogério Lourenço, será fundamental para que a promissora geração brasileira de 2011 não se perca pelo caminho. Que sirva então de um bom presságio o fato de, mais uma vez, as bolinhas terem sido amigas.