domingo, 14 de dezembro de 2008

Crise de identidade*


*Publicado originalmente no Olheiros

Qual a posição mais carente do futebol brasileiro atualmente? Pode-se dizer com certa razão que são os centroavantes, ou ainda os meias de mais toque de bola e menos firula ou correria. Mas a maior carência, hoje, é sentida até – e principalmente – na seleção brasileira. Deparei-me com ela quando preparava o especial dos nomes para o Sul-Americano Sub-20: a posição mais ausente de nomes, no Brasil é a lateral. Mas... De quem é a culpa?

Poderia ser uma entressafra ou uma crise técnica dos principais nomes, mas é difícil acreditar que Maicon, por exemplo, possa jogar muito mais do que tem feito. E nenhuma entressafra dura mais de dez anos. Afinal, Cafu e Roberto Carlos, mesmo sempre questionados, perduraram intocáveis no onze inicial brasileiro por três Copas do Mundo. A verdade é uma só: o Brasil não tem laterais decentes e a culpa é do trabalho de base mal feito.

Explico. Falei em minha coluna inicial aqui no Olheiros do mal que faziam os técnicos que prendiam garotos a esquemas táticos pré-definidos e limitavam as oportunidades de evolução em uma fase da vida onde a posição em campo pode não ser a definitiva – vide os tantos casos de jogadores que começaram como atacantes e terminaram como volantes, por exemplo. Da mesma forma, o caminho inverso acontece: o problema está na seleção dos meninos e na maneira como se treina.

Historicamente, o futebol brasileiro se caracterizou pela obediência quase ignorante a fórmulas que dão certo. É por isso que o 4-2-2-2 de décadas atrás continua sendo tão utilizado por aqui. Igualmente, o 3-5-2 que garantiu o quinto título mundial tem milhares de adeptos no mundo inteiro, mas quase todos seus seguidores vivem e trabalham no maior país da América do Sul. Basta ver que, dos cinco primeiros colocados do Brasileirão, apenas o Cruzeiro teve quatro zagueiros durante toda sua campanha.

A partir daí, a fórmula de sucesso do São Paulo vai sendo copiada e admirada. Mas a questão é que o futebol brasileiro é muito refém de suas engessadas formações táticas, e não evolui como o sistema de jogo mundial. Não cansa insistir: os laterais brasileiros são os únicos no mundo que não possuem uma identidade em campo. Não sabem qual sua função principal: atacar ou defender? E fazer ambos com 100% de eficiência é impossível.

Por isso, a idéia de laterais ofensivos é embutida na cabeça do olheiro e do treinador da base. Garotos com essas características é que são selecionados, e se destacam nas categorias inferiores por sua “velocidade, habilidade e chegada ao ataque”. É claro. São meias, pontas, atacantes. Não laterais. E aí, a imagem do “ala” surge com força. Basta ver a qualidade de todos os laterais premiados no final do campeonato brasileiro: todos “alas” de suas equipes que jogam com três zagueiros.

Mas jogam com três zagueiros por quê? Para cobrir a subida dos alas, que não marcam. Ou seja: o futebol brasileiro está preso a uma posição que não possui jogadores bons. Ou pior ainda: uma posição que não existe. Porque se os laterais que surgem da base tivessem características defensivas, ou ainda mais equilibradas, bons no apoio mas também na marcação, poder-se-ia criar linhas eficientes de quatro defensores que, com organização tática, poderiam surpreender. Mas a maioria não sabe sequer cruzar...

Basta ver o caso dos irmãos Da Silva: enquanto Fábio, lateral-esquerdo, se destacou na seleção sub-17 pela força ofensiva, agora é Rafael, que sempre foi menos atrevido, que recebe elogios da imprensa inglesa. É fato que Fábio passou por uma cirurgia e não teve as mesmas oportunidades, mas este é o caso típico: os laterais brasileiros que se destacam vão para a Europa e viram, grande parte das vezes, meias esternos, como foi com Mancini. Difícil entender a razão?

Uma alternativa seria escalar esses jogadores no meio-campo, exatamente como esternos. Mas não é da cultura do futebol tupiniquim jogar com duas linhas de quatro e, pelo jeito, nunca será. E o meio perderia meias de verdade, diriam os puristas. Enquanto isso, treinadores montam equipes de base no 3-5-2 para “aproveitar o poder ofensivo dos laterais”.

E assim são criados jogadores medianos, que possuem velocidade, um pouco de habilidade e nada mais. Surgem coringas, como tem sido mais e mais comum, de laterais que também são volantes ou até quebram um galho de zagueiros. Ao mesmo tempo, Fábio Aurélio tem feito partidas excepcionais pelo Liverpool atuando exatamente da maneira que se espera de um lateral. Mas ele é tímio no apoio, não deverá ser notado.

Enquanto isso, permanece a idéia de que Roberto Carlos e Cafu tiveram grandes reservas de luxo, como Felipe, Athirson, Cicinho, Gilberto, Juan Maldonado ou Leonardo Moura, quando foram eles, na verdade, duas exceções em uma regra cada vez mais sacramentada: o Brasil não consegue produzir bons laterais, e a culpa é exatamente de quem deveria solucionar o problema: as categorias de base.

4 comentários:

Arthur Virgílio disse...

Concordo plenamente. É difícil achar um lateral completo que saiba defender e atacar. Gosto do André Santos, mas ele tem dificuldades na marcação, por isso essa linha de 4 no meio poderia ser uma boa alternativa para ele.

Nyelder Rodrigues disse...

O mais incrível é que mesmo com o trabalho de base mal feito, sempre é revelado um jogador excepcional, como o Roberto Carlos foi, e como o Rafael será um dia.

Jogo Aberto disse...

afim de fazer parceria? trocar link? eu boto o seu e vc coloca o link do meu blog

Anônimo disse...

Caro Mauricio
gostei muito de sua coluna, a qual tive acesso agora, justo antes de voltarmos aos treinamentos da sub20 do brasil, empreparativos para o sul americano da Venezuela. Como supervisor desta selecao, voltando a atividade no Brasil depois de longos anos trabalhando no exterior como treinador, estamos vivenciando esta situacao de laterais no Brasil que nao sao mais laterais...