Historicamente, a população africana tem sofrido com as graves dificuldades sociais, políticas e econômicas. Assim, o futebol – teorias de ‘ópio do povo’ à parte – tem sido, ao lado das tradições locais, uma das poucas fontes de alegria. Alegria que se difunde com mais intensidade na África setentrional, seja nas localidades predominantemente islâmicas, como Egito, Marrocos e Argélia, seja no limiar da África subsaariana, berço das maiores potências futebolísticas atuais do continente, como Nigéria, Gana, Camarões e Costa do Marfim.
Entretanto, nem mesmo na quente África o sol parece brilhar para todos. Ou ainda: brilha tanto que inibe o crescimento de tudo que é vivo. Assim é em Níger, país sem saídas para o mar do tamanho do Estado do Pará, e cujas terras estão localizadas quase em sua totalidade no Deserto do Saara. Não surpreende, portanto, que o futebol não se desenvolva em um lugar onde até nascer grama é difícil.
Passado próspero, futuro incerto
Se, atualmente, dois terços do território nigerino fazem parte do mais cruel deserto do mundo, pinturas datadas de 10 mil a.C. mostram abundante vida selvagem no local, povoado inicialmente pelo Império Songai, uma das mais poderosas dinastias da história africana.
Nos últimos séculos, o grupo étnico de nômades conhecido como tuaregues adotou a região como ponto de fixação. São eles o único povo que parece não se incomodar em viver no deserto. Talvez por isso recebam esse nome: em árabe, ‘Tuareg’ significa ‘abandonados pelos deuses’. Em sua própria língua, preferem chamar-se de ‘os livres’. E é na língua deles que o país foi batizado, seguindo o nome da única fonte de vida da região: o rio Níger, ou gher n gherem, ‘rio dos rios’.
Colônia da França a partir de 1922, Níger nunca recebeu a mesma atenção que outros territórios da África Ocidental Francesa, exatamente por seus escassos recursos naturais. Com a independência conquistada no final da década de 1950, os militares assumiram a força política do país e castigaram-no com infindáveis conflitos com os tuaregues.
Após diversos golpes de Estado e tentativas fracassadas de abertura democrática, uma nova Constituição foi aprovada em 1999 e o país pôde finalmente realizar eleições presidenciais e municipais. Contudo, conflitos étnicos e recentes rebeliões orquestradas pelos tuaregues, que demandam maior participação nos lucros da exportação de urânio (maior fonte de renda do país), ameaçam interromper o progresso nigerino.
Futebol no deserto
Como costuma acontecer nas nações de cultura islâmica, o futebol tem sua parcela de importância na cultura de Níger. Trazido pelos colonizadores franceses, acabou por não se desenvolver a contento pelo mesmo tipo de bloqueio econômico que sofreu o país. Ainda assim, empolgados pela fundação da Confederação Africana em 1957 e da disputa das primeiras edições da Copa Africana de Nações, os nigerinos organizaram uma seleção nacional antes mesmo de fundar uma federação local. Assim, em 11 de abril de 1963, Níger disputou sua primeira partida contra os vizinhos da Nigéria, em Dacar, capital do Senegal. A derrota por 1 a 0 foi um resultado digno diante de adversários que haviam se organizado 20 anos antes.
Foi só em 1967 que se fundou a Federação Nigerina de Futebol (Fenifoot), um ano após a disputa da primeira liga nacional, que teve o Secteur 6, da capital Niamey, como primeiro campeão – feito que repetiria nas cinco temporadas seguintes. Até 1973, o campeonato foi essencialmente amador, disputado apenas na capital e com times divididos por regiões. De fato, ‘Secteur 6’ é o equivalente a ‘setor 6’ e, em 1973, antes da reestruturação, o vizinho ‘Secteur 7’ sagrou-se campeão.
A partir de 1974, com um golpe de Estado que reformulou o país, os times ganharam novos nomes e a liga ganhou ares mais profissionais, com a designação do campeão nacional para participar das competições africanas de clubes. O plano de evolução do futebol passava também pelas primeiras tentativas dos Mena (gazelas) de participarem da fase final da Copa Africana de Nações, bem como de sua estréia a nível mundial nas eliminatórias para a Copa de 1978.
Quase lá... e de volta outra vez
A primeira partida de eliminatórias disputada pelos nigerinos aconteceu em 7 de março de 1976, em Serra Leoa. Uma acachapante derrota por 5 a 1 praticamente dizimou as chances de avanço, mas nem por isso a vitória por 2 a 1 em Niamey não foi comemorada. A falta de experiência internacional pesava, pois não só a constante falta de dinheiro impedia a seleção de jogar muitas partidas, como também a excluía dos qualificatórios para as competições continentais.
Ainda assim, enquanto o Olympic FC (herdeiro dos títulos do Secteur 6) comandava o futebol local, os Mena partiram para uma aventura que quase os levou à Copa da Espanha. Na primeira fase, empate sem gols diante da Somália em casa e um pênalti perdido por Moussa Dari a um minuto do fim. O gol fora de casa do atacante Moussa Kanfideni, um dos principais jogadores da história do país, garantiu a vaga na segunda fase com o empate por 1 a 1.
O adversário seria a forte seleção do Togo que, como cabeça-de-chave, não participara da etapa inicial. A derrota em casa por 1 a 0 parecia sepultar as chances de classificação, mas a equipe laranja, branca e verde surpreendeu vencendo em Lomé por 2 a 1, com o gol salvador sendo marcado por Mamane Ali, aos 37 do segundo tempo.
Para o confronto com a fortíssima Argélia na fase semifinal, a equipe tinha um novo técnico: saía Adamou Bako, entrava Labo Chipraou. Tudo porque já corria o ano de 1981 e o novo presidente da federação queria alguém de sua confiança no comando. Contudo, os Mena não demonstraram resistência e foram goleados por 4 a 0, gols de Madjer, Belloumi (2) e Kourichi. Os dois primeiros, aliás, marcaram os gols da surpreendente vitória argelina sobre a Alemanha Ocidental na primeira rodada daquela Copa. Ficou o consolo, ao menos, de ter se despedido das eliminatórias com uma dignificante vitória por 1 a 0 – a única derrota imposta à Argélia no período.
De lá para cá, entretanto, o futebol nigerino parece ter mais regredido do que evoluído. Campanhas desanimadoras e intermitentes (de 1982 até hoje, Níger sequer participou das eliminatórias em quatro edições) fizeram com que o embalo se perdesse e o desenvolvimento estagnasse. De fato, na empreitada para 2010 foram quatro derrotas nos quatro primeiros jogos, acabando logo com as chances de classificação. Aliado às terríveis condições financeiras, o fato de o país ter passado por décadas politicamente muito turbulentas fez com que o esporte não fosse considerado item importante.
Não à toa, ainda hoje poucos atletas atuam fora do país e o campeonato nacional concentra-se quase totalmente na capital –apenas duas equipes de outras cidades foram campeãs: Jangorzo, de Maradi, em 1983, e Espoir, de Zinder, em 1984, numa das épocas em que Niamey mais sofreu com a guerra civil. Não bastasse isso, nos últimos anos a federação local tem sofrido ameaças constantes de suspensão por parte da Fifa por causa da ingerência do governo no futebol.
Esforços têm sido feitos para reverter esse quadro. No final de 2007, Zidane viajou ao país como embaixador da ONU para visitar programas pela redução da pobreza. Na oportunidade, conheceu os centros de treinamento recém-inaugurados, onde a Fenifoot treina e educa futuros jogadores com apoio econômico da Fifa.
Amadou Diallo, presidente da federação e ex-integrante daquela seleção da década de 1980, inscreveu o país como candidato a sede do Campeonato Africano sub-20 de 2009. "É na categoria juvenil que o Níger deve investir mais se quiser construir um futebol tão competitivo quanto o das outras nações", declarou. A escolha de Ruanda como sede foi desapontadora, mas o país conseguiu classificar sua equipe sub-20 para a fase final pela primeira vez. Sinal de que Diallo pode estar certo.
Entretanto, nem mesmo na quente África o sol parece brilhar para todos. Ou ainda: brilha tanto que inibe o crescimento de tudo que é vivo. Assim é em Níger, país sem saídas para o mar do tamanho do Estado do Pará, e cujas terras estão localizadas quase em sua totalidade no Deserto do Saara. Não surpreende, portanto, que o futebol não se desenvolva em um lugar onde até nascer grama é difícil.
Passado próspero, futuro incerto
Se, atualmente, dois terços do território nigerino fazem parte do mais cruel deserto do mundo, pinturas datadas de 10 mil a.C. mostram abundante vida selvagem no local, povoado inicialmente pelo Império Songai, uma das mais poderosas dinastias da história africana.
Nos últimos séculos, o grupo étnico de nômades conhecido como tuaregues adotou a região como ponto de fixação. São eles o único povo que parece não se incomodar em viver no deserto. Talvez por isso recebam esse nome: em árabe, ‘Tuareg’ significa ‘abandonados pelos deuses’. Em sua própria língua, preferem chamar-se de ‘os livres’. E é na língua deles que o país foi batizado, seguindo o nome da única fonte de vida da região: o rio Níger, ou gher n gherem, ‘rio dos rios’.
Colônia da França a partir de 1922, Níger nunca recebeu a mesma atenção que outros territórios da África Ocidental Francesa, exatamente por seus escassos recursos naturais. Com a independência conquistada no final da década de 1950, os militares assumiram a força política do país e castigaram-no com infindáveis conflitos com os tuaregues.
Após diversos golpes de Estado e tentativas fracassadas de abertura democrática, uma nova Constituição foi aprovada em 1999 e o país pôde finalmente realizar eleições presidenciais e municipais. Contudo, conflitos étnicos e recentes rebeliões orquestradas pelos tuaregues, que demandam maior participação nos lucros da exportação de urânio (maior fonte de renda do país), ameaçam interromper o progresso nigerino.
Futebol no deserto
Como costuma acontecer nas nações de cultura islâmica, o futebol tem sua parcela de importância na cultura de Níger. Trazido pelos colonizadores franceses, acabou por não se desenvolver a contento pelo mesmo tipo de bloqueio econômico que sofreu o país. Ainda assim, empolgados pela fundação da Confederação Africana em 1957 e da disputa das primeiras edições da Copa Africana de Nações, os nigerinos organizaram uma seleção nacional antes mesmo de fundar uma federação local. Assim, em 11 de abril de 1963, Níger disputou sua primeira partida contra os vizinhos da Nigéria, em Dacar, capital do Senegal. A derrota por 1 a 0 foi um resultado digno diante de adversários que haviam se organizado 20 anos antes.
Foi só em 1967 que se fundou a Federação Nigerina de Futebol (Fenifoot), um ano após a disputa da primeira liga nacional, que teve o Secteur 6, da capital Niamey, como primeiro campeão – feito que repetiria nas cinco temporadas seguintes. Até 1973, o campeonato foi essencialmente amador, disputado apenas na capital e com times divididos por regiões. De fato, ‘Secteur 6’ é o equivalente a ‘setor 6’ e, em 1973, antes da reestruturação, o vizinho ‘Secteur 7’ sagrou-se campeão.
A partir de 1974, com um golpe de Estado que reformulou o país, os times ganharam novos nomes e a liga ganhou ares mais profissionais, com a designação do campeão nacional para participar das competições africanas de clubes. O plano de evolução do futebol passava também pelas primeiras tentativas dos Mena (gazelas) de participarem da fase final da Copa Africana de Nações, bem como de sua estréia a nível mundial nas eliminatórias para a Copa de 1978.
Quase lá... e de volta outra vez
A primeira partida de eliminatórias disputada pelos nigerinos aconteceu em 7 de março de 1976, em Serra Leoa. Uma acachapante derrota por 5 a 1 praticamente dizimou as chances de avanço, mas nem por isso a vitória por 2 a 1 em Niamey não foi comemorada. A falta de experiência internacional pesava, pois não só a constante falta de dinheiro impedia a seleção de jogar muitas partidas, como também a excluía dos qualificatórios para as competições continentais.
Ainda assim, enquanto o Olympic FC (herdeiro dos títulos do Secteur 6) comandava o futebol local, os Mena partiram para uma aventura que quase os levou à Copa da Espanha. Na primeira fase, empate sem gols diante da Somália em casa e um pênalti perdido por Moussa Dari a um minuto do fim. O gol fora de casa do atacante Moussa Kanfideni, um dos principais jogadores da história do país, garantiu a vaga na segunda fase com o empate por 1 a 1.
O adversário seria a forte seleção do Togo que, como cabeça-de-chave, não participara da etapa inicial. A derrota em casa por 1 a 0 parecia sepultar as chances de classificação, mas a equipe laranja, branca e verde surpreendeu vencendo em Lomé por 2 a 1, com o gol salvador sendo marcado por Mamane Ali, aos 37 do segundo tempo.
Para o confronto com a fortíssima Argélia na fase semifinal, a equipe tinha um novo técnico: saía Adamou Bako, entrava Labo Chipraou. Tudo porque já corria o ano de 1981 e o novo presidente da federação queria alguém de sua confiança no comando. Contudo, os Mena não demonstraram resistência e foram goleados por 4 a 0, gols de Madjer, Belloumi (2) e Kourichi. Os dois primeiros, aliás, marcaram os gols da surpreendente vitória argelina sobre a Alemanha Ocidental na primeira rodada daquela Copa. Ficou o consolo, ao menos, de ter se despedido das eliminatórias com uma dignificante vitória por 1 a 0 – a única derrota imposta à Argélia no período.
De lá para cá, entretanto, o futebol nigerino parece ter mais regredido do que evoluído. Campanhas desanimadoras e intermitentes (de 1982 até hoje, Níger sequer participou das eliminatórias em quatro edições) fizeram com que o embalo se perdesse e o desenvolvimento estagnasse. De fato, na empreitada para 2010 foram quatro derrotas nos quatro primeiros jogos, acabando logo com as chances de classificação. Aliado às terríveis condições financeiras, o fato de o país ter passado por décadas politicamente muito turbulentas fez com que o esporte não fosse considerado item importante.
Não à toa, ainda hoje poucos atletas atuam fora do país e o campeonato nacional concentra-se quase totalmente na capital –apenas duas equipes de outras cidades foram campeãs: Jangorzo, de Maradi, em 1983, e Espoir, de Zinder, em 1984, numa das épocas em que Niamey mais sofreu com a guerra civil. Não bastasse isso, nos últimos anos a federação local tem sofrido ameaças constantes de suspensão por parte da Fifa por causa da ingerência do governo no futebol.
Esforços têm sido feitos para reverter esse quadro. No final de 2007, Zidane viajou ao país como embaixador da ONU para visitar programas pela redução da pobreza. Na oportunidade, conheceu os centros de treinamento recém-inaugurados, onde a Fenifoot treina e educa futuros jogadores com apoio econômico da Fifa.
Amadou Diallo, presidente da federação e ex-integrante daquela seleção da década de 1980, inscreveu o país como candidato a sede do Campeonato Africano sub-20 de 2009. "É na categoria juvenil que o Níger deve investir mais se quiser construir um futebol tão competitivo quanto o das outras nações", declarou. A escolha de Ruanda como sede foi desapontadora, mas o país conseguiu classificar sua equipe sub-20 para a fase final pela primeira vez. Sinal de que Diallo pode estar certo.
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