sábado, 4 de dezembro de 2010

Petrodólares compram talento?

Sedes de 18 e 22, Rússia e Catar precisam reverter histórico ruim em competições de base

A FIFA chocou o mundo ao dar suas Copas de 2018 e 2022 para Rússia e Catar. Ampliando o discurso de levar o Mundial a lugares antes não contemplados – ou novos mercados, como são África do Sul, Brasil e os dois escolhidos dessa semana –, a entidade máxima do futebol deixou muita gente de nariz torcido por não conceder a organização dos torneios a centros mais tradicionais, como Inglaterra ou Espanha. Donos dos maiores orçamentos entre os candidatos, russos e catares prometem torneios de modernos e belos estádios, o verdadeiro futebol do futuro. Entretanto, qual será o futuro do futebol das duas próximas sedes da Copa do Mundo?

Publicado no Olheiros

A oito anos do seu Mundial, a Rússia já pode olhar para suas seleções de base e imaginar quem poderá estar em campo defendendo seu país. Se Andrei Arshavin, astro da candidatura, foi bastante político ao dizer que pretende, aos 37 anos, capitanear sua equipe, há companheiros dele que podem, sim, pisar no Luzhiniki Stadium no dia 8 de junho de 2018 para a provável partida de abertura do 21º Mundial.

Um deles é Alan Dzagoev, meia titular do CSKA Moscou que, aos 20 anos, já é recorrente na seleção desde os 18. Se repetir o que fez nas bases e em seus primeiros anos como profissional, terá tudo para, aos 28, ser a principal estrela dos donos da casa. Seu companheiro de clube, Georgi Schennikov, tem tudo para ser o lateral esquerdo daquela equipe: estreou no time de cima aos 17 e, aos 19, é titular da seleção sub-21.

Sub-21 que, se pensarmos num prazo de oito anos, poderá ser responsável por fornecer a maior parte do pé de obra. O elenco, formado de maneira bastante heterogênea, sem predomínio da base de nenhum clube, não conseguiu se classificar para a fase final do Europeu, a ser disputado na Dinamarca em 2011. Consequentemente, esta geração, que já não participou de Mundial Sub-20, também não disputará uma Olimpíada.

A participação nos principais campeonatos internacionais, aliás, tem sido rara na base russa. A última participação no Sub-20 foi em 1995, curiosamente no Catar, e o melhor resultado foi um título na primeira edição, em 1977, ainda como União Soviética. A separação fez mal à Rússia, que desde então só participou em 95 mesmo. No Mundial Sub-17, situação ainda pior: depois do título conquistado ainda como seleção soviética, em 1987, os garotos russos não voltaram ao torneio.

No cenário continental, a cena se repete. No Sub-21 e Sub-19, títulos apenas na época da União Soviética. Conquista russa, mesmo, apenas no Sub-17 de 2006, curiosamente com essa mesma geração que agora falhou em se classificar ao Sub-21. Nomes como Aleksandr Sapeta, Anton Vlasov, Aleksandr Prudnikov e Dmitri Ryzhov se destacaram aos 17 anos, mas já não mantiveram o desempenho cinco anos depois. Finalmente, as atuais seleções sub-17 e sub-19 (que também não conseguiu se classificar para os últimos europeus da categoria) têm dois nomes de destaque: Igor Kireyev e Alexsandr Kozlov, respectivamente meia e atacante do Spartak. Para uma seleção que, de tradicional na época da União Soviética passou a participante esporádica em Copas (esteve apenas em 1994 e 2002), ainda é muito pouco.

Catar: dinheiro compra tudo?

A escolha do Catar como sede para 2022 foi ainda mais criticada especialmente pela falta de tradição futebolística do país. De fato, dentre tantos representantes do Oriente Médio, o Catar é o que tem o futebol mais modesto: enquanto Arábia Saudita, Kuwait, Irã, Iraque e Emirados Árabes já participaram de Copas e o Bahrein bateu na trave nas últimas duas eliminatórias, o mais longe que os catares chegaram foi a fase final em diversas oportunidades, inclusive para 2010, mas jamais pontuando próximo de sequer sonhar com a repescagem.

O país tenta, sem sucesso, chegar à Copa do Mundo desde 1978, e poderá acabar fazendo sua estreia somente quando for sede. Na Copa das Nações Asiáticas, o melhor desempenho foi em 2000, quando chegou às quartas de final. Para a edição de 2011, a participação está garantida, pois será sede.

Na base, o país sediou o Mundial Sub-20 de 1995, conquistado pela Argentina de Sorín sobre o Brasil de Caio e Zé Elias. Os anfitriões não passaram da primeira fase, caindo curiosamente no grupo de Brasil e Rússia. Ainda assim, os catares protagonizaram uma das maiores zebras da história do torneio, ao chegarem à decisão contra a Alemanha, dirigidos por Evaristo de Macedo. A evolução não foi percebida, entretanto, e a última participação foi mesmo quando sede.

No sub-17, a equipe campeã asiática de 1990 chegou às semifinais do Mundial no ano seguinte, na Itália. Em 1999, os vice-campeões continentais caíram nas quartas de final do Mundial realizado na Nova Zelândia, e a última participação ocorreu em 2005, no Peru, em que o time ficou na última colocação. Daquela equipe pouco foi aproveitado, tanto que o atual capitão da seleção, o atacante Yusef Ahmed, tem os mesmos 22 anos dos remanescentes da campanha e, à época, não era convocado. Internacional catar mais experiente, terá 36 anos em 2022.

O sub-17 atual sequer passou da primeira fase das eliminatórias do asiático da categoria, ficando atrás de Síria, Iraque e Iêmen. Difícil vislumbrar algo para daqui a doze anos, mas uma federação que literalmente recruta estrangeiros para se naturalizarem – o brasileiro Fábio Montezine, revelado pelo São Paulo, aceitou o desafio –, precisa rever seus conceitos de investimento na base se não quiser se juntar à África do Sul como únicos anfitriões eliminados na primeira fase de um Mundial.

Por mais que tenham petrodólares sobrando para investirem em estádios, infraestrutura e suntuosos orçamentos para sediar a Copa, russos e catares não podem esquecer que é necessário também investir na base. E que o futebol é muito mais que o dinheiro que movimenta.

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