quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O médico e o monstro

Dorival Júnior paga por tentar disciplinar Neymar, que sofre com excesso de proteção e más influências

Não se surpreenda se, ao entrar no gramado da Vila Belmiro hoje à noite para o clássico contra o Corinthians, Neymar for aplaudido pelas torcidas organizadas do Santos e vaiado pelos demais torcedores. Tal manifestação resume o sentimento do torcedor comum, aquele que assiste aos jogos do seu time pela TV e vai ao estádio de vez em quando, sem usar a camisa do time por medo da violência do futebol. Mais que isso, mostra quão nociva é a promíscua relação das diretorias de clubes brasileiros com seus atletas, patrocinadores e apoiadores.

O brasileiro não gosta nem respeita muito hierarquia. Aliás, até que se prove o contrário, o brasileiro nem de trabalhar gosta muito. Difícil puxar pela memória rapidamente, mas não consigo lembrar de outro caso como este, em que por punir um jogador que o desrespeitou e não seguiu suas ordens, o treinador foi demitido. Penso como se pensa na Europa, modelo a ser seguido para o bem e para o mal no futebol: o treinador é o chefe e sua vontade é a que vale, afinal foi contratado para isso. Jogador que derruba treinador com corpo mole é outra coisa, e existem exemplos aos montes por aí.

Comenta-se muito que Dorival Júnior tenha desrespeitado o acordo feito com a diretoria, de que Neymar voltaria a campo nesta quarta, e que essa falta de palavra teria sido mais determinante que a escalação ou não do garoto. Aí, então, o argumento se inverteria: afinal, o treinador foi quem não respeitou a hierarquia, ao dizer uma coisa a seus empregadores e fazer outra.

Pois bem. A história parece um crime sem culpado, um milagre sem santo. Por que Dorival forçaria a saída para aceitar a proposta do São Paulo, como se chegou a cogitar, se já tinha no Santos a participação na Libertadores garantida? Apenas por questão salarial? Não me parece ser a resposta.

Mas há outro ângulo de observação que precisa ser estudado, e transformou-se em motivo de piada tão logo a demissão foi confirmada: qual o verdadeiro poder de Neymar? Quando Renê Simões manchetou as palavras “estão criando um monstro”, ele não poderia ter sido mais feliz. Mas há um significado para esta frase que poucos perceberam: se o garoto tem seus momentos rompantes, as atitudes das pessoas que o cercam estão ajudando a criar uma imagem distorcida do que é na verdade Neymar. As sucessivas tentativas de blindar Neymar estão transformando-o em uma pessoa marrenta, antipática e egoísta perante a opinião pública. E este é o maior perigo.

Ao apoiar Neymar em qualquer circunstância, a diretoria do Santos, que muito prometeu e teve de abrir mão para segurar o garoto no clube, está tirando dele o benefício da dúvida e o aprendizado através do erro. E a mesma diretoria que, como quase todas do país, distribui ingressos para torcidas organizadas em troca de apoio total e irrestrito, cede às pressões dos empresários, patrocinadores e marqueteiros que vêem no garoto a solução para os problemas financeiros que o clube colecionou adotando medidas exatamente iguais a essa. É, portanto, um círculo vicioso.

Neymar não é um monstro. Ele agora encaminha-se, sem culpa, para se tornar o jogador mais odiado do futebol brasileiro por torcida, imprensa e demais jogadores. Se ele era caçado em campo, agora será visto como um troféu. Não é difícil imaginar, em breve, uma contusão séria fruto de uma falta sofrida.

Não se surpreenda, portanto, se Neymar entrar no gramado da Vila Belmiro hoje à noite pela última vez como o jogador que sempre foi. Com tudo isso, ele já mudou internamente. Não se sentirá o todo poderoso, como a maioria brinca, mas certamente perderá um pouco do brilho nos olhos que tinha em suas primeiras partidas, e muito da admiração da torcida que por ele pediu, incansavelmente, antes da Copa. No afã de extrair tudo dele, estão transformando Neymar em um monstro.

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