sábado, 18 de setembro de 2010

Ônus e bônus

Trajetória de Neymar é a de muitos garotos: sem suporte psicológico, deverá aprender sozinho

Publicado no Olheiros

Lá se vão quase três anos desde que o Olheiros entrou no ar. No final de 2007, dávamos nossos primeiros passos ao mesmo tempo em que um nome ainda engatinhava no mundo do futebol, mas que apesar jovem já era muito comentado. Não fosse o Brasil um celeiro diário de promessas, Neymarpoderia ser considerado o Freddy Adu brasileiro, tamanha sua precocidade e expectativa que havia sobre si desde os 13 ou 14 anos.

De lá para cá, muita coisa já aconteceu na vida do garoto. Passou pelo batismo da Copa São Paulo, disputou Mundial Sub-17 – sem muito destaque, é verdade – e cresceu no time Santos junto aos companheiros Ganso e André, ganhando status de craque e celebridade, a ponto de ter até mesmo cobertura jornalística da prova final de sua carteira de motorista. Após um semestre iluminado, virou nome fácil na boca do torcedor, que ansiava por um pouco de brilho na seleção que disputou a Copa do Mundo, e depois do fiasco na África do Sul, estreou com a amarelinha marcando gol.

A história de Neymar é igual à de muitos outros garotos prodígios do futebol brasileiro: infância difícil, oportunidade ímpar através do futebol, expectativa crescente e vislumbramento pela fama conquistada. No momento em que um enorme ponto de interrogação paira sobre a cabeça do atacante – maior até que o cabelo espetado do chamativo penteado –, surgem todos os tipos de questionamentos sobre a preparação psicológica que é oferecida não só a ele, centro dos holofotes, mas a todos os jovens jogadores.

Mais que a aparente sensação de impunidade que permeia as atitudes recentes de Neymar, como se a qualidade técnica justificasse a blindagem e as passadas de mão na cabeça, o que chama a atenção é o fato de este não ser episódio único no Santos. A insatisfação de Dorival Júnior com a multa aplicada após a discussão na partida contra o Atlético-GO, pedindo gancho de 15 dias e até mesmo, segundo informações ainda desencontradas, cogitando abandonar o comando do time, só mostra que há algo de podre no reino da Vila Belmiro.

Por mais detestável que seja utilizar frases prontas, a postura de Dorival parece-se muito com um conhecido ditado da língua inglesa: “engana-me uma vez, que vergonha de você; engana-me a segunda vez, que vergonha de mim”. A polêmica dos garotos santistas na Twitcam mostra que, talvez, a rédea esteja um pouco solta demais, comparável à criança que, sem ter pais firmes, que neguem suas vontades, torna-se irrepreensível.

É exatamente o que disse recentemente, em entrevista ao amigo Lincoln Chaves, a especialista Valéria Sapienza: a falta de preparação psicológica para lidar com os desafios da fama e do sucesso aos 18 anos faz com que os meninos se percam. E para que não se percam para sempre, é preciso acabar com as regalias, exigir profissionalismo e aumentar a cobrança, transferindo responsabilidades ao garoto conforme ele cresce.

O que mais preocupa nas crises comportamentais de Neymar, neste momento, não é nem seu futuro no futebol ou uma queda de produção – bem, talvez preocupe a Wagner Ribeiro, que também aconselhou Robinho muito mal durante muito tempo. Pior é o péssimo exemplo que está dando este que é o principal ídolo da garotada de 8, 9, 10 anos, idade em que a criança se apaixona pelo futebol e guarda suas principais lembranças para a vida toda – o perigo desta influência de “bad-boy” e ar de quem faz o que quer é enorme.

No final das contas, talvez seja exatamente por isto que a cabeça de Neymar venha entrando em parafuso: quando devia ouvir e aprender, já é cobrado a falar e ensinar; quando devia seguir, está sendo seguido; e quando devia se espelhar nos exemplos dos mais velhos, já é tido como exemplo para os (poucos) mais novos que ele.

Ônus e bônus de ser quem é, cercado de opiniões distintas do que deve ou não fazer. Por não ter sido orientado corretamente antes, ele deverá agora, provavelmente sozinho, descobrir o que quer. E se trilhar o caminho certo, terá tudo para entrar para a história, porque habilidade o garoto tem como poucos até hoje.

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