Publicado no Olheiros
Uma das notícias mais comentadas da semana no futebol internacional foi a contratação do atacante Michael Gyasi pelo Chelsea. Se o leitor não lembra do nome, não se culpe. Gyasi é um alemãozinho de onze anos de idade que até outro dia dividia suas tarefas escolares com a equipe sub-10 (!) do modestíssimo Northampton Town, da quarta e última divisão do futebol profissional inglês.
Curiosamente, nenhuma palavra oficial do Chelsea foi ouvida sobe a negociação. A divulgação foi do jornal britânico The Guardian, que afirmou, dentre outras coisas, que Gyasi chegou à academia dos Cobblers há cerca de três anos, pouco depois de mudar-se com seus pais ganeses para a Inglaterra e entrar na escola. Ainda segundo a matéria, ele teria chamado a atenção do clube de Stamford Bridge em um amistoso entre as duas equipes, cujo placar final foi 6 a 2 e ele, o autor dos dois gols do Northampton.
De acordo com o reportado, o Chelsea pagaria uma compensação financeira de dez mil libras (equivalente a cerca de R$ 26 mil) pelos investimentos do clube na formação do garoto até ali, além de outros valores maiores conforme ele progrida nas divisões de base e torne-se um profissional – nesta idade, Gyasi não pode assinar contrato e ser transferido como garotos de 17 anos ou mais.
Além da notória precocidade, chama a atenção neste caso a curiosidade que tal transferência desperta, tendo sido noticiada no mundo todo. Movimentações de garotos entre as escolinhas e divisões de base nos primeiros anos de academia são normais, mais comuns até do que a grande imprensa pensa ou tem capacidade de rastrear, mas talvez as peculiaridades de Gyasi, alemão filho de ganeses na Inglaterra, seja o que tenha chamado a atenção.
Puxando pela memória, podemos lembrar de vários garotos de idade parecida pinçados por grandes clubes. Tentando repetir o efeito Messi, o Barcelona por pouco não levou Erik Lamela do River Plate aos 12 anos, em 2004. Recentemente, teve melhor sorte ao contratar Guido Vadala, também de 12, junto ao Provincial. E não para por aí.
O Manchester United buscou Rhain Davis na Austrália aos nove anos, graças a vídeos do garoto no Youtube; no ano passado, o Al Gharafa, do Catar, passou a contar com Leozinho, filho de SETE anos de Leonardo Vitorino, técnico dos juniores da equipe, em sua escolinha oficial. E em um dos casos mais famosos, a Roma selecionou em 2008 o carioca Caio Werneck, de nove anos, em uma clínica em Petrópolis.
Como dito e mostrado em exemplos, o caso de Gyasi não é inédito. O que mudou nos últimos anos, como dizemos constantemente aqui no Olheiros, é que a super exposição destes garotos ainda tão cedo os coloca sob uma carga de pressão fora do comum e prejudicial para a idade. Afinal, aos onze anos, quem garante que Gyasi irá querer mesmo ser jogador de futebol no futuro? Além disso, a pergunta que parece até macabra, mas precisa ser feita, é: será que os clubes deveriam mesmo oferecer dinheiro em troca de crianças?
A verdade é que é difícil imaginar qual o ganho que um clube pode ter ao pinçar um menino de tão pouca idade em um clube pequeno, levá-lo para seu centro de treinamentos e investir nele por quase dez anos. Na maioria das vezes, o retorno futebolisticamente falando é muito pequeno, e financeiramente é muito raro. Talvez exatamente por isso os clubes insistam tanto e ampliem sua rede de observadores: na base de tentativa e erro, tentam aumentar a chance de sucesso ampliando o número de jogadores com que trabalham.
Essa transformação das categorias de base em linha de produção, deixando de lado a preocupação com a formação do jovem como pessoa e cidadão, sempre foi criticada por este colunista. O futebol deve ser praticado sim pelos melhores, mas primeiramente pelos que gostam. Que Gyasi deseje se tornar um futebolista e que tenha sucesso. Mas que não se force a barra de um menino que acabou de entrar na escola para que ele se torne um craque. Afinal, isso seria tentar mudar a ordem natural das coisas em nome somente do retorno futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário