sexta-feira, 5 de março de 2010

"Estão sugando os meninos"

A segunda parte da entrevista com Lucho Nizzo, ex-técnico da seleção brasileira sub-17

Publicado no Olheiros

Polêmicas. Assim são as pessoas de opinião forte, que não escondem seus pensamentos. E assim foi a repercussão da primeira parte da entrevista com Lucho Nizzo, ex-técnico da seleção brasileira sub-17, cuja primeira parte publicamos no sábado passado. Num reflexo exatamente do que falou ao Olheiros, Lucho recebeu críticas dos leitores de nosso blog a respeito de suas decisões frente à seleção nos dois últimos Mundiais Sub-17.

Nesta segunda parte, abordamos a visão do treinador sobre aspectos táticos, técnicos e até mesmo jurídicos do trabalho de base, e a sua visão sobre as principais promessas do futebol brasileiro na atualidade. Lucho fala sobre os problemas pessoais enfrentados por Nikão – que por pouco não o afastaram definitivamente dos gramados e poderiam ter impedido exibições de gala durante a última Copa São Paulo –, avalia a dupla Philippe Coutinho e Wellington Silva e fala até mesmo de sua conturbada passagem pelo América de Romário e Bebeto.

Antes de mais nada, Lucho como sempre não foge das perguntas. Fala, argumenta, expõe seu ponto de vista e conversa como poucos no meio. Afirma não possuir mágoas do seu tempo de seleção brasileira – “aprendi muito”, diz – e que está estudando novas propostas, podendo continuar a parceria com Bebeto ou ainda trabalhar sozinho, na base ou no profissional. Para finalizar, ratifica as críticas à forma com que é feito o trabalho de base no país atualmente: “estão sugando tudo o que os garotos têm”.

Olheiros - Muito se fala sobre a formação tática das equipes de base, criticando quem utilize o 3-5-2 ou só escale no famigerado 4-4-2. Você tem uma formação preferida e monta o time com ela ou adequa aos jogadores?

Nizzo - É preciso adequar, sempre. Veja o Corinthians, foi montado para jogar no 4-3-3, o Mano Menezes buscou no mercado as opções, montou o seu time. Aí você pega um clube que monta o 4-3-3 no mirim. Isso é um crime, é complicado explicar para o menino as funções de um 4-3-3, o aspecto cognitivo interfere muito. Quando você assume um clube, tem que saber o material humano que possui e qual o melhor estilo de jogo. Na seleção, eu pensava em aproveitar o máximo de cada jogador. E é o q eu tentei fazer. Tentei fazer Coutinho, Neymar e Wellington Silva jogarem juntos. Não deu certo, mas se desse certo será que criticariam se tivesse ganho com um só atacante? No Brasil, avalia-se resultado, e não o trabalho.

Philippe Coutinho e Wellington Silva já estão prontos para a Europa?

Nizzo - Eu acho que não. Essa situação nós conversamos muito na época do Neymar, e hoje estamos cometendo uma agressão muito grande quando interrompemos a fase de preparação dos meninos e os mandamos pra fora. Primeiro pela questão do cumprimento de etapa: é a mesma coisa que você tirar o médico do penúltimo, último ano de faculdade e colocá-lo no hospital, ele precisa vivenciar antes. Coutinho é um grande jogador, tem um futebol brilhante, magnífico, sem comentários, mas dizer que ele já está pronto? Não está. Precisa aprimorar algumas coisas, que no profissional não terá tempo. No profissional não tem tempo de treinar, é Estadual, Copa do Brasil, Brasileiro...Wellington Silva também tem um potencial formidável, ele verticaliza, é difícil hoje você encontrar um atacante que vai pra dentro do gol. Mas ele precisa ganhar mais massa muscular, por exemplo. Fala-se de técnica, tática, mas é preciso fazer também o trabalho emocional com esses garotos. Você já ouviu eles falarem de algo assim? Não, mas na certa na primeira vez que eles passarem por uma situação difícil vai se exigir uma postura de adulto. Até entendo os clubes colocarem para jogar para serem vistos e negociados, mas é complicado. Além de um outro fator, que é mais importante ainda: nesse período de formação, quando vão embora, eles perdem o contato com o futebol brasileiro. Acabam mudando a consciência tática e perdem aquela coisa ousada do futebol brasileiro, o atrevimento, a coragem de tentar algo diferente.

Qual a sua opinião sobre Nikão, que já teve um histórico complicado e deu a volta por cima no Santos?

Nizzo - Nikão é um jogador de muita qualidade, que eu convoquei três vezes. As três vezes que veio comigo, não foi nem sombra daquilo que a gente sabe que é capaz de render, e quando o deixei de convocar muitos me criticaram. Mas ninguém procurou saber o porquê de ele não render. E numa ocasião, conversando – e faz parte do meu trabalho essa conversa, entender o processo, a vida dos meninos – descobri que ele tinha sérios problemas familiares, era praticamente órfão, vivia com a avó e ela faleceu e, por pouco, não viajou conosco, porque não teria uma pessoa responsável por ele. Acho que todos esses acontecimentos na vida desse garoto foram determinantes para que a autoestima dele caísse. E ele pensa “fazer o quê, se sou sozinho no mundo?”. Aí vem o momento critico das divisões de base: preocupam-se muito com o atleta, esquecem do ser humano. Esquecem que pra render, o menino precisa estar bem emocionalmente. Ele é como um artista, um cantor, precisa estar bem emocionalmente para render tudo o que pode. Aí vai minha critica às divisões de base: estão só sugando, como uma laranja, tudo o que o garoto tem. Daí chutam e chama outro. A divisão de base tem que antes de formar um jogador, formar um homem, porque se ele não der certo, tem condições de ser alguém na vida.

Qual a sua opinião sobre a polêmica dos garotos da base são-paulina, entrando na justiça por seus direitos?

Nizzo - É complicado... trabalhei com o Lucas Piazon, ele viajou com a gente para o México. Eu fico triste, porque eu digo que os maiores problemas do futebol são criados fora do campo. É triste um garoto de 16 anos já todo enrolado. A última informação que eu tive era que o pai dele assumiu um contrato com o Corinthians já tendo um com o São Paulo. É o fim do mundo isso, as pessoas perderam a noção do que é certo ou errado. Um menino que tem tudo pra ser um grande jogador, já cheio de problema. Aquilo que acontecia com nomes consagrados acontece já com meninos, que são apenas promessas. Os pais precisam ter mais tranquilidade, acreditar mais nos clubes. Se levou para o São Paulo, confie no trabalho. Se não quer mais, faça a rescisão de forma amigável, na justiça, que faça corretamente. Fico muito triste com isso, porque no final acaba por queimar o próprio jogador e sua carreira.

Como você vê a sua passagem pelo América? Ela foi mesmo conturbada? O que aconteceu de fato, afinal o time não foi tão mal assim e chegou à semifinal da Taça Moisés Mathias de Andrade.

Nizzo - Eu fiquei muito contente com o convite que o Bebeto me fez. Fizemos um trabalho legal, conheci o Bebeto no programa de TV “Joga 10” e ficamos amigos. Aí ele começou a frequentar o Tigres, onde eu trabalhava e consegui subir de divisão, e nesses encontros ele disse ter a vontade de ser treinador, e que me chamaria para ser assistente. Ele me convidou e um convite dele não teria como dizer não. Aceitei e foi muito legal, dentro das dificuldades que tínhamos de plantel e estrutura, era um clube de menor porte que vinha da segunda divisão... Fizemos o planejamento e chegamos bem, à frente de equipes com mais estrutura do que a nossa. E de repente chega um comunicado do Romário dizendo “Bebeto, preciso mudar porque o América precisa de mais”. Mais o quê, se perdemos apenas para os grandes e fomos bem? Mas tudo bem, sabemos que fizemos um trabalho tranquilo dentro do que nos foi dado.

Quais seus planos para o futuro? Já surgiu algum convite?

Nizzo - Estou trabalhando, buscando coisas com o Bebeto, esperando convites, aguardando opções. Já surgiram algumas coisas sim e estamos definindo o que seria viável. Mas não descarto também voltar a trabalhar sozinho.

Um comentário:

O autor disse...

Muito boa a entrevista, legal mesmo. Parabéns.

Concordo com o Lucho na questão do Philippe Coutinho e do Wellington Silva. Se eles realmente forem para a EUROPA na data que foi combinada no contrato, pularaão um passo muito importante da carreira. É como se um jovem saísse do Ensino Médio direto para o trabalho, sem passar pela faculdade.

Abraços