O torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, ficou marcado para nós brasileiros pela grande decepção do time comandado por Vanderlei Luxemburgo, eliminado nas quartas de final por Camarões mesmo com dois homens a mais, e com uma geração considerada de ouro, com Ronaldinho Gaúcho, Alex e companhia. Não se esperava, entretanto, que fosse outra equipe sulamericana – e uma terceira equipe, não a Argentina, como se poderia supor – a encantar nos gramados australianos, com uma mistura de gerações que faria história no futebol do país: o Chile, medalha de bronze ao bater os Estados Unidos por 2 a 0.
Na década de 90, o futebol chileno passava por uma profunda reestruturação. Ao passo que os clubes viviam bom momento, com o Colo Colo sagrando-se campeão da Libertadores em 91 e a Universidad Católica chegando à decisão em 93, a seleção vivia um caos: após os incidentes no Maracanã pelas Eliminatórias da Copa de 90 e a subsequente suspensão do Mundial seguinte, passavam-se 16 anos da última participação da Roja em Copas, na Espanha – o maior período de ausência da história da seleção. Para evitar nova desclassificação, a federação nacional decidiu demitir Xavier Azkargorta às vésperas da estreia nas Eliminatórias para a Copa da França, convidando para assumir o cargo de técnico um uruguaio que fez história no futebol do país.
Os meninos de Acosta
Nelson Bonifácio Acosta Lopez nasceu em Paso de los Toros, às margens do Rio Negro, em 12 de junho de 1944. Após defender Huracán Buceo e Peñarol, iniciou sua trajetória no Chile, ficando conhecido especialmente por sua passagem pelo O’Higgins. Ao término da carreira, virou treinador do Arturo Vial, por onde tinha atuado como jogador, e pelo O’Higgins, até finalmente fazer fama com a conquista do bicampeonato da Copa Chile, em 1992 e 93, com o Unión Espanhola. Naturalizado chileno, era uma questão de tempo para assumir a seleção nacional, bem como todos os aspectos da preparação dos times inferiores.
A oportunidade veio nas Eliminatórias para a Copa da França, e com um time talentoso, liderado pela dupla de ataque Marcelo Salas, do River Plate, e Ivan Zamorano, da Internazionale, classificou-se não só ao Mundial, como também passou da primeira fase, empatando com a Itália em grande atuação de Salas na estreia, para depois cair nas oitavas de final diante do Brasil.
O próximo passo do ressurgimento chileno era formar uma nova geração de atletas, capazes de seguir as pegadas de Salas e Zamorano. Com as seleções de base fora dos Mundiais Sub 20 e Sub 17 há algum tempo, Acosta assumiu a tarefa de classificar a seleção sub 23 para as Olimpíadas de Sidney. A Roja só havia disputado o torneio em outras três oportunidades: em Los Angeles 84, quando até avançou às quartas de final, mas acabou eliminada pela Itália; e em Amsterdã 1928 e Helsinque 1952, com duas participações curtíssimas, de apenas uma partida e uma derrota.
O pré-olímpico foi realizado em Londrina, em janeiro de 2000. Com duas vagas em disputa e o torneio sendo realizado no Brasil, as partidas pareciam ser mera formalidade para confirmação das classificações brasileira e argentina. Mas a equipe de Acosta mostrou que estava no páreo ao segurar os donos da casa logo na estreia, empatando em 1 a 1, com grande atuação do goleiro Di Gregório e golaço de David Pizarro, de fora da área. Na sequência, vitórias sobre Equador (2 a 1) e Venezuela (3 a 0), até a incrível derrota para a Colômbia por 5 a 1.
Folgando na última rodada, os chilenos precisavam de um resultado praticamente impossível para avançar ao quadrangular: vitória brasileira sobre o bom time colombiano por sete gols, no mínimo. E o Brasil enfiou 9 a 0 nos cafeteros, a maior goleada da história dos pré-olímpicos, garantindo o Chile no quadrangular final. Aí o time cresceu: com os gols decisivos de Hector Tapia, vice-artilheiro do pré-olímpico com seis gols, goleou o Uruguai por 4 a 1 e bateu a Argentina por 1 a 0, carimbando o passaporte para a Austrália. Nem mesmo a derrota por 3 a 1 para o Brasil, campeão do torneio, seria motivo de tristeza: o Chile estava na Olimpíada.
Uma jornada memorável
A preparação não foi das melhores: com Acosta e diversos jogadores envolvidos com as Eliminatórias para a Copa de 2002 e também seus compromissos nos clubes, a seleção só se juntou de fato uma semana antes das Olimpíadas, disputando apenas um amistoso na Nova Zelândia. No Grupo B da primeira fase, os chilenos foram sorteados ao lado dos fortes espanhóis, medalha de ouro em 92, dos sul-coreanos, campeões do qualificatório asiático, e dos marroquinos, que haviam eliminado fortes concorrentes no caminho e já tinha deixado boa impressão com a seleção principal na Copa de 98.
O elenco de Acosta contava com o goleiro Tapia, o zagueiro Pedro Reyes e o atacante Ivan Zamorano como jogadores acima dos 23 anos, e uma equipe mesclada de jogadores de clubes nacionais, especialmente Universidad Católica, Universidad de Chile e Santiago Wanderers, e de seis atleas no futebol internacional: Pizarro (Udinese), o atacante Hector Tapia (Perugia), Zamorano (Inter), Contreras (AS Mônaco), Reyes (Auxerre) e Maldonado (São Paulo). Maldonado e Álvares, lateral direito, haviam participado do Mundial Sub 17 do Egito, em 97.
A base da equipe era um sólido sistema defensivo, formado por Alvarez, Contreras, Reyes e Olarra. O meio-campo era leve e de toque de bola rápido, com Maldonado mais preso, e David Pizarro, Rodrigo Núñez e Ormanzábal municiando a todo momento a veloz dupla formado por Zamorano e Navia. Eles formaram o melhor ataque do campeonato, com treze gols em seis partidas – “Bam Bam” foi o artilheiro com seis e Navia fez quatro. Hector Tapia, artilheiro do pré-olímpico, acabou cortado por contusão. O entrosamento e a arrojada tática de movimentação no meio foram aplaudidos durante todo o torneio, e de certa forma permeiam a ágil equipe atual de Marcelo Bielsa.
A estreia foi melhor que a encomenda: apesar de um início nervoso, Chbouki foi expulso aos seis e facilitou o trabalhou. Zamorano abriu o placar aos 36 minutos do primeiro tempo em uma bela cabeçada, ampliando nos acréscimos em cobrança de pênalti. No segundo tempo, outro gol do atacante da Internazionale e um de Navia, antes de Ouchla descontar a 11 do fim.
Na partida contra a Espanha, muito se esperava da equipe de Xavi, Angulo, Gabri e Tamudo, mas foram os surpreendentes sul-americanos que saíram na frente, novamente com dois gols no primeiro tempo: Pizarro dançou na frente de Tamudo e cruzou para Olarra cabecear; depois, Zamorano surpreendeu a saída de bola espanhola e tocou para Navia completar para o gol vazio. No segundo tempo, La Cruz diminuiu aos nove e assustou a torcida, mas os comandados de Acosta seguraram a pressão e criaram várias chances, finalmente aumentando na última volta do relógio, de novo com Navia, chutando de fora da área após contra ataque puxado por Zamorano. Já classificado, o Chile deu-se ao luxo de poupar alguns titulares no jogo contra a Coreia do Sul e perdeu por 1 a 0, passando em primeiro lugar.
Bronze mais que merecido
Nem parecia que eram os atuais campeões em campo. O Chile não tomou conhecimento da Nigéria nas quartas de final, abrindo 2 a 0 com gols em dois minutos, de Contreras e Zamorano. Com um jogo rápido e trocas de passes constantes e eficientes, os chilenos dominaram toda a partida, como demonstrado no quarto gol, de Tello, aos 20 do segundo tempo: pressão na saída de bola, recuperação e três toques na bola até ela morrer no fundo das redes de Etafia.
Na semifinal contra Camarões, que haviam eliminado o Brasil, o Chile provou pela primeira vez de seu veneno, sofrendo com os contra ataques africanos e a eficiente linha de impedimento adversária. Apesar de o primeiro tempo sem gols, eram os camaroneses que dominavam a partida. Aos 15 da etapa complementar, Acosta sacou Navia e lançou Sebastian González para tentar ganhar a batalha do meio campo, o que acabou dando resultado: após boa trama pelo meio, Patrice Abanda acabou marcando contra. Com o gol, os sul-americanos recuaram demasiadamente e permitiram o empate seis minutos depois, após cobrança de escanteio mal afastada e finalmente concluída por Mboma. A um minuto do fim, o árbitro francês assinalou pênalti para os africanos, e Lauren converteu, acabando com o sonho da final.
A decisão do bronze envolveu duas equipes totalmente desacreditadas no início do torneio, e apesar das decepções nas semifinais, o jogo foi bastante disputado. O Chile, claramente superior tecnicamente, teve dificuldades frente à uma seleção dos Estados Unidos que brigava por todas as bolas e corria demais, sem nunca desistir.
A estratégia que deu certo contra Camarões foi repetida: saiu Navia e entrou González, que sete minutos depois foi lançado por Pizarro e derrubado na área por Califf. Zamorano converteu aos 24, e os Estados Unidos pouco produziram depois. Eventualmente, a vantagem seria dobrada após outra eficiente e paciente troca de passes, que culminou a finalização de “Bam Bam”, sozinho, na grande área.
Aquela seria a única medalha chilena nas Olimpíadas de Sidney, a nona da história e primeira desde Seul 1988, quando Alfonso de Iruarrizaga levou a prata no tiro. Infelizmente, a geração não vingou como o esperado, falhando em se classificar para as Copas de 2002 (a lanterna nas Eliminatórias custou o emprego a Acosta) e 2006 e também para os Jogos Olímpicos de 2004 e 2008. Do elenco atual, apenas Maldonado, Tello e Contreras têm sido convocados, e nenhum tem presença garantida no Mundial. De qualquer forma, ficará sempre a lembrança de um dos times mais empolgantes da história recente do futebol olímpico, e que por muito pouco sequer viajou a Sidney. Por tudo isso, os chilenos agradecem até hoje a goleada brasileira sobre a Colômbia, ainda no pré-olímpico. E todos que gostam do futebol bem jogado também.
Ficha técnica
Clube/Seleção: Chile
Treinador: Nelson Acosta
Competições: Olimpíadas de Sidney
Ano: 2000
Escalação (4-1-3-2): Tapia; Alvarez, Contreras, Reyes e Olarra; Maldonado; Ormazábal, Rodrigo Núñez e Pizarro; Navia e Zamorano
sábado, 8 de maio de 2010
La Roja de bronze
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